Comentários de Richard Wilhelm do livro Tao Te King
O Tao (Dao) que pode ser pronunciado
Não é o Tao (Dao) eterno
O nome que pode ser proferido
Não é o Nome eterno.
Ao principio do Céu e da Terra chamo "Não-Ser"
À mãe dos seres individuais chamo "Ser"
Dirigir-se para o "Não-Ser" leva
À contemplação da maravilhosa Essência;
Dirigir-se para o Ser leva
À contemplação das limitações espaciais.
Pela origem, ambos são uma coisa só,
Diferindo apenas no nome.
Em sua Unidade, esse Um é mistério,
O mistério dos mistérios
É o portal por onde entram as maravilhas.
Tao (Dao) Te King
Lao Tzu
O antigo teísmo chinês ensinava que no céu havia um deus de quem o mundo simplesmente dependia, um deus que recompensava os bons e castigava os maus. Além deste pai no céu - acompanhado pela mãe - terra, cuja presença jamais afetou basicamente o pensamento monoteísta, havia ainda uma série de espíritos da natureza e dos ancestrais. Apesar de dependentes do céu eles tinham, não obstante, as suas áreas específicas a cuidar, de modo semelhante aos funcionários subordinados ao rei.
Com Lao Tzu, a eliminação definitiva do antropomorfismo religioso se iniciou. O Céu e a Terra não têm sentimentos humanos de amor. Para eles todos os seres são meros cães de sacrifícios feitos de palha, que na antiga China eram quiemados após os sacrifícios de oferenda.
No entanto, Lao Tzu está longe de considerar o curso da natureza como algo acidental e desordenado. Dessa forma ele está livre de todo o ceticismo e pessimismo. Ele não luta apenas contra a religião popular, contudo a substitui por algo mais elevado, e que leva mais longe. Baseado na velha sabedoria dos livros das mutações, Lao Tzu reconhecera que a essência do mundo não é uma condição estaticamente mecânica. O mundo está em constante alternância e transformação. O Livro das Mutações mostra igualmente que todas as transformações se realizam segundo leis estabelecidas. A concepção do livro é de que a totalidade do mundo fenomenal está baseada no antagonismo complementar das polaridades das energias Yin, passiva, negativa e Yang, ativa, positiva. Estas energias encontram-se em contínua transformação. A unidade se divide e se converte em duplicidade, a duplicidade se une e torna a ser unidade. O que está no fim de tudo, no âmago de todas as mudanças, é a grande polaridade (Tai Gi), a unidade que transcende toda dualidade, todos os fatos e mesmo toda a existência. Essas mudanças se processam por meio de um caminho fixo e pleno de sentido (Tao), no caminho do céu (T´ien Tao), ao qual corresponde, na terra, o caminho do homem (Jen Tao)
Confúcio buscava o caminho do céu. Para Lao Tzu, o caminho do céu não era ainda o mais elevado grau. O grau mais elevado e definitivo estava além da personalidade, até de que qualquer ser de algum modo perceptível ou definível. Não era também um nada, mas algo que se subtraía às formas do pensamento humano.
Para uma coisa assim não há naturalmente, nome algum, já que todos os nomes só nascem da vivência; e essa coisa é, no entanto, o que primeiro possibilita as vivências. Denominou então essa coisa, por força da necessidade, "Tao", só para poder falar dela, pois não tinha como chamá-la e chamou-a igualmente de "grande". O Tao do céu e o Tao do homem sempre foram conhecidos, mas não o Tao absoluto. Tao significa caminho. Mas no sentido de Lao Tzu não se pode, sem mais nem menos, traduzi-lo por caminho ou senda. Há duas palavras chinesas para caminho. Uma é "Lu". Resulta da combinação dos símbolos para "pé" e " cada". É o que cada pé pisa, o caminho que resulta justamente do fato de ser percorrido. Transposto o seu sentido, essa expressão poderia ser usada para o conceito moderno de lei natural, que é do mesmo modo, aceita como existente, pois os processos ocorrem no sentido dessa lei. Outra palavra para caminho é Tao (Dao), que se escreve combinando os símbolos para "cabeça" e "andar". Daí, resulta um significado substancialmente diferente do da palavra "Lu", isto é, o de um caminho que conduz a um objetivo; o de uma direção, de um caminho indicado, tendo, ao mesmo tempo, o sentido de "falar" e " guiar". Parece que este símbolo foi usado inicialmente para as trajetórias astronômicas dos corpos celestes.
Falando do Tao (Dao), Lao Tzu preocupou-se em afastar tudo que pudesse lembrar algum tipo de existência. Desse modo, o Tao está num nível totalmente distinto de tudo quanto pertence ao mundo dos fenômenos. É anterior ao céu e à terra; não é possível dizer de onde vem; é anterior ao próprio sentido de Deus. Ele se baseia em si mesmo, é imutável e está em eterna circulação.
Embora se negue existência ao Tao (Dao), ele, no entanto, também não é simplesmente nada. Porque do nada não pode surgir nada. É verdade que o Tao (Dao) não é temporal nem espacial. Olhando-o, não o vemos, escutando-o, não o ouvimos, e se quisermos tocá-lo, não o sentimos. Contudo nesse não ser espacial nem temporal está depositada, de algum modo a variedade. Mesmo não o vendo, ouvindo ou sentindo, há algo nele que corresponde a essa variedade dos sentidos; figuras, imagens, embora informes, imateriais. Ele se encontra então num nível que está além do ser e do não ser. Mas também não é tão irreal que as coisas não possam resultar dele.
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